quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Esqueço-me de que tenho fome

Quando tenho fome, rapidamente fico impaciente. E depois começo a ficar progressivamente irritada até ficar completamente zangada e impossível de aturar. Por isso não entendo como fui capaz de me esquecer que tinha fome. Os sintomas estavam todos lá.

Há meses que me sinto triste, depois irritada, depois zangada. Com pequenas coisas, depois com grandes. Tento perceber porquê e na altura os pensamentos lá parecem fazer sentido, porque depois torno a entrar na rotina. E lá vou eu, andando, sem me aperceber da fome que me devora, me consome.

Este mundo angustia-me. Aquilo que às vezes penso é que gostaria de ter nascido há pelo menos 100 anos atrás. Que o mundo fazia tão mais sentido nessa altura. Havia normas, havia moral, havia respeito... Olho para o mundo de hoje e parece-me completamente caótico. E, paradoxalmente, também me parece completamente entediante. Como é que é possível que as pessoas ainda não se tenham fartado desta era da rebeldia, do eu? Todos os dias vejo textos e imagens no Facebook com constantes necessidades de afirmação do eu em detrimento dos outros e não consigo deixar de me perguntar por que raio as pessoas sentem necessidade de publicar essas afirmações ao invés de deixar as suas acções falar por si. Porque é tão importante dizer ao mundo que não se importam minimamente com alguém que não concorde com eles. 'Não gostas, há quem goste - manca-te'. Há provocações em todo o lado. 

Sexo. Violência. Negatividade. Sempre à minha volta e levo cada dia a pensar quando é que as pessoas se vão fartar disto. Do gratuito. Quando é que vão querer algo mais. Para si e para os que amam. Se é que amam alguém. A anarquia mascarada de liberdade. Eu eu eu, eu por todo lado. Só eu importo. Tu... Manca-te. Não me interessa o que tu pensas. 


Mas enfim, eu é que sou a beata e sabe-se lá que mais. Apenas porque quero algo mais. Algo melhor. Algo com substância. 
E então, como vivo angustiada, zangada, irritada, etc - não vejo. Algo tão simples. Realmente é quando menos esperamos que nos apercebemos das respostas que tanto procuramos.


Vinha a andar na rua. Tinha acabado de anoitecer. Deu-me para olhar para o céu e calhou ver a lua e uma estrela num céu completamente limpo através dos ramos de uma árvore despida. Nesse momento, tudo parou. O barulho dos carros, o cheiro dos tubos de escape e do cigarro que acabou de passar por mim, as pessoas a passar - até eu tinha parado, apesar de continuar a andar. E percebi que era só isso que precisava. Realmente é apenas preciso parar para cheirar as flores!! Quem diria. Naquele momento a minha fome foi saciada. Nada mais parecia ter importância suficiente para me deixar naquele estado.

Só espero tão depressa não me tornar a esquecer de que tenho fome. Porque o alimento está sempre à minha volta, só tenho de abrir os olhos... E parar.